O livro ou o filme? | 11 considerações sobre o filme Aniquilação (com spoilers)
No debate "O Livro ou o Filme?" deste post, falarei sobre a adaptação do livro de Jeff VanderMeer, "Aniquilação", lançada pelo Netflix. São onze rápidas considerações entre o livro e o filme, ambos protagonizados somente por mulheres inteligentes e badass, do jeito que eu gosto.
"Aniquilação" é o primeiro volume da trilogia Comando Sul, trilogia esta que é classificada como new weird e como ficção-científica. Caso você queira ler, primeiro, a resenha do livro e obter mais informações sobre a trilogia, vá para este post. Este ano, o Netflix produziu um filme baseado na obra e, abaixo, listei minhas considerações sobre ele.
Obs: Se você está com medo de spoilers sobre o livro e o filme neste post, sugiro ler somente a resenha do livro, pois tem bastante spoiler vindo.
Obs: Se você está com medo de spoilers sobre o livro e o filme neste post, sugiro ler somente a resenha do livro, pois tem bastante spoiler vindo.
1. Nomes das personagens
Uma das coisas que achei mais legais no livro é que as personagens não são referenciadas por seus nomes, e sim, pelas suas profissões. Assim, na narrativa, aparecem a bióloga, a psicóloga, e assim por diante. Isto serviu para reforçar o caráter da missão: elas não deveriam se apegar, tampouco conhecer o passado umas das outras, pois todas eram apenas instrumentos de exploração do Comando Sul.
No filme, as personagens ganharam nomes, e a bióloga tornou-se Lena, interpretada por Natalie Portman. No começo, achei esta mudança ruim, mas depois compreendi que faria mais sentido para o grande público.
2. Profissões
No livro, a missão é composta por quatro mulheres: uma bióloga (protagonista), uma antropóloga, uma psicóloga e uma topologista. No filme, a missão é composta por cinco mulheres e, além de Lena e da psicóloga (Dr. Ventress), temos uma paramédica, uma física e uma geóloga. Achei esta mudança completamente desnecessária, porque não agregou nada ao enredo.
3. Ausência de passado
No livro, a estória é um recorte no tempo. Não sabemos nada sobre o passado das outras mulheres da missão e, mesmo sobre a bióloga, as informações que aparecem são apenas para contextualizar sua personalidade e seus objetivos com aquela expedição. O que importa não são as pessoas, e sim, o que acontece na Área X, e a escrita concisa de VanderMeer deixa isto claro desde o início. Já no filme, adicionaram muita informação sobre os passados das mulheres da missão, bem como aumentaram os vínculos afetivos entre elas ao longo da narrativa. Não gostei desta mudança mas entendo que, novamente, ela foi necessária para alcançar o grande público.
4. Psicóloga doente?
Continuando na linha de que o passado das personagens não é falado no livro, VanderMeer também não se preocupa em explorar as motivações de cada mulher ao participar da missão (apenas temos as motivações da bióloga). No filme, as motivações de cada uma delas são bem mastigadas e, além disso, adicionaram ao enredo que a motivação da psicóloga é porque ela está com uma doença terminal e não tem mais nada a perder.
5. Diários e expedições anteriores
No livro, a expedição delas é a 12ª a ir para a Área X. Todas as outras expedições falharam e todas foram compostas exclusivamente por homens. Há um enorme segredo sobre estas expedições anteriores e a bióloga, conforme explora a Área X, descobre os diários de diversos membros que já passaram por lá. Em cada diário, ela descobre uma informação importante, e começa a montar um enorme quebra-cabeça. No filme, os diários e o legado das expedições anteriores quase não aparece, resumindo-se a vídeos do ex-marido de Lena, que esteve na missão anterior.
6. Hipnose
Uma das coisas mais legais do livro é a atuação da psicóloga. Ela hipnotizava, todas as noites, as mulheres da missão, de forma a colocar na cabeça delas pensamentos e memórias convenientes aos interesses do Comando Sul. É difícil saber se a psicóloga é uma vilã ou uma anti-heroína, um dos grandes trunfos da escrita de VanderMeer. No filme, isto foi completamente retirado, e reduziram a psicóloga em uma simples bitch. Não gostei.
7. Túnel e organismos vivos
Outra passagem muito marcante do livro é o túnel/torre que a missão descobre. Nele, diversos microorganismos vivos formam frases que brilham no escuro, e a bióloga fica fascinada e obcecada por descobrir de onde vem aquela mensagem. Um dos pontos altos do livro é quando ela descobre o segredo por trás disso. No filme, esta parte foi retirada, e senti falta.
8. DNA
O livro não fornece uma explicação direta do que acontece na Área X, tanto que a estória termina com um final aberto, que será resgatado nos próximos volumes da trilogia. O leitor precisa deduzir o que aconteceu e, pelas resenhas que andei lendo, as pessoas terminam o livro com opiniões diferentes. O filme fornece uma explicação sobre os eventos estranhos da Área X, que seria uma mistura de DNAs humanos, vegetais e, aparentemente, extraterrestres. Ainda não decidi se gostei desta explicação.
9. O Comando Sul
Como o próprio nome da trilogia já diz, o Comando Sul é uma parte essencial da trama. O primeiro livro não dá muitas pistas do que ele é, mas já é possível apreender que é uma organização não-governamental e, talvez, secreta, que irá se apropriar dos recursos da Área X. Além disso, o Comando Sul manda centenas de pessoas para a morte em suas expedições, sem nenhum tipo de compaixão. No filme, não há nenhuma menção a eles, apenas um entrevistador interrogando Lena. Também senti falta.
10. A personalidade da bióloga e a escolha do seu final
No livro, a bióloga é surpreendente. Ela gosta de ficar sozinha e de isolar-se da sociedade, daí o motivo por ter se voluntariado à expedição. E, também por este motivo, ela divorcia-se do marido antes de ele partir para a 11ª expedição. Sua paixão pela natureza vai muito além dos estudos e da vida acadêmica e ela passa toda a vida buscando uma conexão maior com o ambiente ao seu redor, e encontra esta conexão na Área X. Ela é uma personagem bastante profunda e que consegue carregar a estória nas costas. No final do livro, a bióloga decide tornar-se um animal da Área X, feliz e plena, realizada por não ser mais uma pessoa.
No filme, Lena sofre pela separação do marido e faz de tudo para trazê-lo de volta à vida. Isso me incomodou muito! Tínhamos uma série de elementos incríveis nas mãos: um filme protagonizado somente por mulheres cientistas, inteligentes e fortes, explorando uma zona dominada por uma força alienígena. Não havia nenhuma necessidade de colocar um interesse amoroso para Lena, tampouco colocá-la como uma mulher sofrendo por amor. Achei um retrocesso e muito clichê.
O final do filme é completamente diferente do final do livro, mas este é o próximo tópico.
11. O fim
Como mencionei anteriormente, no livro a bióloga decide ficar na Área X e tornar-se parte dela. É um final lindo e poético, mesmo no contexto de ficção-científica, porque ficamos feliz por ela. Afinal, ela não gostava de pessoas e nem do mundo. Ela se encontra, finalmente, e realiza seu sonho de criança.
Ainda não li os outros volumes da trilogia, mas tenho a impressão de que o filme condensou estórias dos outros dois livros, pois seria a única explicação para um final tão distinto. A psicóloga tem um final diferente do que o proposto no livro e Lena - se entendi tudo corretamente - sai da Área X como uma cópia alienígena, feita a partir de seu DNA. Seu marido saiu da Área X do mesmo jeito e ambos se encontram. Eles irão dominar o mundo? Quem sabe!
O livro ou o filme? Os dois.
O filme foi dirigido por Alex Garland (o mesmo diretor dos ótimos "Ex-Machina" e "Não me Abandone Jamais"). Inclusive, achei o final de "Aniquilação" muito parecido com o final de "Ex-Machina". Como descrevi acima, muitos ajustes foram feitos na estória, e acho que estes ajustes aconteceram para que a trama ficasse mais simples e mais acessível para o grande público do Netflix. Não à toa, o livro é qualificado como new weird e, de fato, tem elementos muito originais e estranhos - o que o tornam maravilhoso.
0 Comments