O livro ou o filme? | Perdido em Marte, de Andy Weir


De forma geral, o gênero de ficção-científica tem uma característica de seriedade e racionalidade que afasta alguns leitores. No entanto, "Perdido em Marte" de Andy Weir veio na contramão desta característica, originando um filme incrível e um livro maravilhoso. Este post é sobre isso.

Andy Weir é formado em Ciências da Computação e trabalha como engenheiro de software em um laboratório e, desde criança, se interessava por física, viagens espaciais e engenharia. Um dia, ele resolveu escrever "Perdido em Marte" e publicou o e-book, de forma independente, na Amazon. A editora Crown Publishing o contratou e, em 2014, lançou o livro. Pouco tempo depois, o estúdio 20th Century Fox comprou os direitos para adaptar o livro para o cinema. Seria esse meu sonho? Seria.

Quase toda a estória é narrada através do diário de bordo do astronauta Mark Watney. No ano de 2035, a NASA começou a enviar missões, denominadas Ares, para preparar Marte para a chegada dos seres humanos. A missão Ares III, da qual Watney fazia parte com outros seis astronautas, sofre um acidente decorrente de uma tempestade de areia apenas seis dias depois de terem pousado em Marte. Toda a tripulação precisa sair às pressas do planeta, mas Watney é dado como morto e deixado para trás. No entanto, ele sobreviveu ao acidente e se vê sozinho e abandonado em Marte.

Logo de cara, descobrimos que Watney é um cara muito, mas muito gente boa. Ele não se ressente com a comandante da Ares III por tê-lo deixado para trás. Ao contrário, ele compreende as razões dela e segue em frente, sem amargura.

Ele está sem nenhum meio de comunicação com a Terra e, por isso, não consegue avisar a NASA para virem socorrê-lo. Além disso, suas provisões alimentares estão limitadas e ele não conseguirá sobreviver até a chegada da missão Ares IV, que seria sua única esperança de resgate. Assim, sua primeira atitude é encontrar uma forma de plantar as batatas que haviam sido levadas na nave espacial e, a partir delas, conseguir alimento suficiente para esperar mais de 400 dias até a chegada de Ares IV.

O grande trunfo da estória é a personalidade carismática e pragmática de Watney. Se não fosse por ele, a narrativa teria se tornado maçante e tediosa. Watney é botânico e foi escolhido pela NASA para encontrar formas de criar alimento em Marte. Quando fica sozinho no planeta, ele se vê diante de uma situação tão adversa e tão absurda que o compele a ser engenheiro, químico e analista de sistemas, para conseguir sobreviver. Seu diário de bordo descreve fórmulas químicas, equações para conseguir produzir água, explicações sobre hidrogênio, consertos em sistemas e máquinas, improvisos e cálculos matemáticos. Tudo isso só fica fácil de suportar porque Watney é engraçado, sarcástico, leve e positivo.

Há uma passagem do livro que me marcou bastante e que representa bem a personalidade de Watney. Em um dado momento, uma equipe da NASA consegue observá-lo por satélites, mas não consegue estabelecer contato com ele. As cenas são transmitidas para o mundo todo, que acompanha ansiosamente o processo de salvamento de Watney. Em um telejornal, uma psicóloga discute todos os sentimentos e pensamentos que Watney provavelmente tem naquela situação tão extrema de sobrevivência. Quando a narração retorna ao diário de bordo dele, mostra o que Watney estava realmente pensando naquele exato momento:

"Se o Aquaman se comunica com peixes, como ele fala com as baleias, que na realidade são mamíferos?"

O filme, dirigido por Ridley Scott, conseguiu reproduzir de forma muito precisa todos os incidentes que Watney passa em Marte - e acredite, eles são muitos!. Com a vantagem de poder contar com imagens - e não com as explicações científicas longas e descritivas pouco compreensíveis do livro - nos aproximamos mais rapidamente das emoções e das dificuldades de Watney. 

Mas, assim como o mérito do livro é a personagem principal, no filme, para mim, o mérito é todo de Matt Damon, que interpreta Watney. Damon captou a essência do protagonista: um homem inteligente, altamente adaptável, que lida com as emoções negativas (desespero, solidão, fome, desamparo) através do humor. É impossível não simpatizar com Watney e ele cativa logo no início da estória.

Tanto Andy Weir quanto Ridley Scott devem ter percebido que, se o leitor/expectador não se vinculasse a Watney, todo o enredo iria por água abaixo. Não apenas porque ele é praticamente a única personagem da estória como também pelo fato de a NASA gastar milhões de dólares para trazê-lo de volta à Terra, bem como de colocar todos seus recursos técnicos e humanos para seu salvamento. Se Watney não fosse alguém que sentíssemos merecer tanto esforço, a estória se tornaria ridícula. A NASA chega ao ponto de pedir ajuda da China e a China aceita, por simpatizar com Watney. Seu carisma é a chave para fazer a estória funcionar.

O livro ou o filme? Depois de muito refletir, cheguei à conclusão de que seria impossível escolher um só e, desta vez, haverá empate. Andy Weir criou uma ficção-científica incrível, diferente dos outros livros do gênero e carregada de referências à cultura pop, além de ter criado Watney. O filme facilitou a compreensão de vários acontecimentos do enredo, transformando conceitos científicos em imagens fáceis de serem absorvidas. Ambas as obras são incríveis e recomendo muitíssimo as duas. Tanto o livro quanto o filme fluem agradavelmente e torcemos por Watney como se ele fosse um amigo. E, quando terminei de ler o livro, juro que fiquei com saudades dele.

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