As Casas de Mim


A primeira vez que consegui encontrar uma forma de traduzir como sou por dentro foi através de uma casa. E naquela época, nesta primeira tentativa de me organizar, foi assim:

"Sou uma casa sem móveis, todos os cômodos estão vazios. As paredes estão amareladas e com manchas que os antigos móveis deixaram. O chão é de madeira, já desgastado e envelhecido. As janelas são bem grandes: dão para a floresta. A escada que vai para o andar de cima é de madeira escura e cada degrau range. Vários livros velhos estão espalhados e empilhados pelos cantos. Há folhas secas das árvores que estalam quando pisadas. É úmido, chuvoso, cheio de riachos - e esses são os únicos barulhos presentes. Há vento. Neblina. E aquele sótão dos caixotes tristes."

Minha letra ainda conservava um traço infantil quando escrevi esse pedaço de mim. Este pedaço está devidamente guardado no primeiro caderno que fiz.

Muitos anos depois, minha segunda casa era assim: 
"Mas, então, vem a epifania máxima, que explode o coração em faíscas : esta sou eu. Assim mesmo. Meio torta. Meio casa em constante reforma. E que de vez em quando coloca um saco de cimento ou uma parede no lugar errado. Mas – que coisa! – esta sou eu."
Durante algum tempo, não fui uma casa: fui uma ruína. O máximo que consegui construir dentro de mim eram paredes brancas sem acabamento, sem teto, sem telhado. E eu era só uma menina assustada com o mundo que sentava no meio deste único cômodo e esperava o sol amanhecer. 

Uma coisa bonita da vida, mesmo em meio à tragédia, é a capacidade de me reconstruir. E hoje, minha casa é assim:
Ainda acanhada e pequena, de cômodos estreitos e teto baixo. Paredes brancas e limpas, janelas arredondadas. Mas há móveis. E pela primeira vez, há decoração. Há cor. E quando me sento no chão, sou só uma menina lendo um livro. Tranquilamente lendo um livro.

Take all the courage you have left Wasted on fixing all the problems that you made in your own head 

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