Sugestão de Leitura | A Noite Escura e Mais Eu, de Lygia Fagundes Telles

 

Que honra falar hoje de uma das escritoras brasileiras que, não apenas me ajudou a formar minha identidade quando eu era adolescente, mas também me inspirou a ser escritora. Hoje, escolhi resenhar a coletânea de contos "A Noite Escura e Mais Eu", da rainha Lygia Fagundes Telles.

"A Noite Escura e Mais Eu", publicado em 1995, começou a ser escrito quando Lygia se inspirou em outra das grandes, um poema de Cecília Meireles chamado Assovio que dizia: "Ninguém abra a sua porta / para ver o que aconteceu: / saímos de braço dado / a noite escura e mais eu. / Ela não sabe o meu rumo / eu não lhe pergunto o seu: / não posso perder mais nada / se o que houve já se perdeu."

Esta coletânea de contos fala, basicamente, sobre morte e, consequentemente, também sobre a vida. Ao todo são nove contos, alguns narrados em primeira pessoa e outros em terceira, geralmente com protagonistas mulheres mais velhas que se vêem frustradas com os acontecimentos que a vida traz. Os contos são recortes de situações cotidianas que ganham importância e profundidade aos olhos da protagonista, despertando emoções que estavam escondidas ou desconhecidas até então.

O meu conto preferido foi "Uma Branca Sombra Pálida", que conta a história de uma mãe que tenta compreender o suicídio da filha enquanto leva rosas brancas ao seu túmulo, rosas estas que são ofuscadas pela beleza das rosas vermelhas que a namorada de sua filha coloca. Além de lidar com o suicídio, a mãe também tenta entender a orientação sexual da filha, e não consegue alcançar nenhuma das duas coisas sem sentir raiva e frustração. A escrita de Lygia é seca o suficiente para que fique claro como a mãe se sente, e lírica para que a gente sinta um nó no coração.

"Dolly", o conto que abre a coletânea, também é muito interessante. Poderia virar um filme. Fiquei curiosa que a tal Dolly tivesse um livro só seu, me pareceu uma das personagens mais legais de todos os contos. O tema é forte, me embrulhou o estômago, e Lygia navegou pela violência com uma classe que só ela tem.

O que mais me surpreende, o que mais me encanta, é como Lygia usa a língua portuguesa. Gente. É como se ela e Clarice fossem as poucas pessoas capazes de destravar o potencial poético do português, as palavras escolhidas, o ritmo, a fluidez, nossa. Lembrei da minha professora de português do Ensino Médio, me emprestando "As Meninas" e me dizendo que aquele livro mudaria meu jeito de ver as coisas. E mudou mesmo. Desde então, mais de vinte anos depois, ainda tento usar o português dessa maneira.

Outra coisa linda é o universo feminino explorado por Lygia. Não é clichê, longe disso, e não é doce nem simples. Abarca uma imensidão, emoções conflitantes, crueza e amargura, e me fez ter vontade de escrever as mulheres da minha vida do mesmo modo. 
E também gostei do quão paulista é esse livro, não sei bem como explicar, mas achei que minha cidade foi tão bem representada e me senti orgulhosa, como se a cidade fosse também uma personagem.

Eu devorei o livro em dois dias. Foram dias em que mergulhei nas minhas experiências, fiquei introspectiva e melancólica - de um jeito bom - e voltei a escrever contos, que eu não fazia há anos. Obrigada Lygia, você sempre será eterna para mim.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 4/5

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