Já Li #154 - Nascimento e Morte da Dona de Casa, de Paola Masino


Eu gosto muito de literatura italiana, e foi algo que descobri aos poucos. Acho que os escritores italianos são os melhores para descrever a vida interna das mulheres frente a um cotidiano chato e opressor. Foi desse meu interesse que cheguei a "Nascimento e Morte da Dona de Casa", um romance de 1941 escrito por Paola Masino.

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"Nascimento e Morte da Dona de Casa" é narrado em terceira pessoa e conta a história de vida de uma mulher cujo nome o leitor não sabe, pois ela é apenas referenciada como Dona de Casa. No início da história, sabemos que ela é uma garota de uma família muito pobre, negligenciada pela mãe mas adorada pelo pai, que gosta de ficar sozinha dentro de um baú comendo pão mofado. A menina é propensa a pensar sobre a morte de todas as coisas e pessoas, até que a mãe arranja um baile com o propósito de encontrar um marido para a garota que, assim, se vê lançada na vida adulta.

O primeiro ponto que eu gostaria de ressaltar é que este romance é de uma leitura difícil. Masino mistura realidade com surrealismo sem aviso prévio ao leitor então, no meio de um parágrafo, você percebe que estava lendo, aquele tempo todo, um devaneio da Dona de Casa, e não algo que realmente aconteceu em sua vida. E, às vezes, acontece o oposto, o leitor fica se perguntando se aquele evento foi real ou imaginação. No decorrer da leitura, isso me cansou bastante e eu quase perdi o interesse pela história, mas me mantive firme pelo famoso "quero ver onde isso vai chegar".
Esse estilo de escrita de Masino me fez pensar em uma mistura de Virgínia Woolf com Elena Ferrante, duas gênias-musas-rainhas do meu coração literário. Temos os fluxos de consciência e a intensa vida interna tão característicos de Woolf, e em paralelo temos a narração profunda e comovente dos eventos da vida cotidiana de Ferrante. Embora tenha sido cansativa, essa mistura proporcionou momentos muito bonitos, como esse aqui que separei para vocês:

"A necessidade de um descanso na forma de uma partida definitiva, começou, desde então, a tornar-se um sofrimento em cada minuto do dia, dava-lhe vontades teimosas de aniquilação, e por isso se viessem lhe dizer que todas as crianças nos dormitórios haviam morrido sob a queda do edifício, ela teria respondido "Benditas sejam"." (pág. 205)

Outro ponto que me achou a atenção é que Masino quase não dedicou tempo para o marido da Dona de Casa, o que tem seu lado bom e seu lado ruim. O lado bom é que o foco da narrativa é cem por cento a vida interior da Dona de Casa e sua necessidade/urgência de fugir da rotina doméstica antes de enlouquecer, e como esta necessidade se transforma em sonhos e alucinações conforme ela envelhece. O lado ruim é que não há nenhum antagonista no enredo, e este é outro motivo pelo qual a leitura se torna difícil. No começo, achei que seria sua mãe, muito parecida com a mãe da Lenú de Ferrante, mas essa plot não se desenvolveu além dos primeiros capítulos. Foi então que pensei que o marido seria o antagonista, mas ele mal aparece e, quando o faz, não fede nem cheira, ou seja, não contribui em nada para a história. 
Assim, o enredo fica carente de eventos que o impulsionem adiante e, depois de algumas páginas, vai se tornando tedioso, por mais que Masino tenha escrito trechos muito poéticos ao longo dele. 
A ausência do marido também me incomodou por sua irrealidade. Um homem heterossexual na Itália fascista dos anos 40 jamais aceitaria que a Dona de Casa não teve filhos - jamais. Sinto que Masino perdeu a oportunidade de explorar isso em seu livro, coisa que Ferrante faz muitíssimo bem.

Se você não quiser receber um spoiler, sugiro parar a leitura deste post por aqui.
Mas se você não se incomoda em saber o final do livro, taí a única parte deste romance que eu gostei - porém, todavia, contudo, não sei se entendi direito. * ri de nervoso *
Eu entendi que, ao completar quarenta anos de idade, a Dona de Casa fingiu a própria morte como forma de se libertar, buscou refúgio e moradia na capelinha do cemitério e passou o resto da sua vida visitando o próprio túmulo. 
Assumindo que eu entendi certo, eu adorei esse final. É surpreendente, diferente e coerente com a personalidade da Dona de Casa, afinal, ela passou praticamente toda a sua vida pensando sobre a morte. Achei natural que ela morasse em um cemitério pois isso não a assustaria, ao contrário, seria interessante para ela. E achei profunda a mensagem que este fim transmite, como se a Dona de Casa só pudesse se libertar de todas as chatíssimas exigências e responsabilidades da vida doméstica quando morre, seja essa morte real ou metafórica. 

Ainda assim, não é uma leitura que recomendo. Achei o caminho muito tortuoso só para chegar em um final interessante que se desenrola em duas páginas do Epílogo. Eu gosto muito da mensagem do livro e da reflexão que ele provoca, mas acho que a Ferrante faz um trabalho muito melhor em retratar a opressão da mulher.

Avaliação do Perplexidade e Silêncio: 2/5

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