A música do piano


Música sempre foi uma forma de arte que me atrai, principalmente música instrumental. Algumas são tão mágicas que deveriam ser geradas sem instrumentos ou pessoas: deveriam apenas existir, planando pela atmosfera, como se fossem a trilha sonora do próprio mundo. E se o mundo tivesse, de fato, uma música própria, me pergunto como ela seria e tento criá-la dentro da minha imaginação.
Eu ruminava estas reflexões tolas enquanto tentava acompanhar o movimento das mãos do rapaz no piano. Ele - o rapaz - parecia timidamente consciente de que muitas pessoas o assistiam e, ao mesmo tempo, parecia frustrado que algumas outras nem sequer lhe davam atenção.
A música que ele escolhera era uma destas que soam como mágica. Parecia que, de repente, eu iria ver as notas dançando no ar. Cada som tinha dentro de si uma melancolia doce e inocente que, no conjunto, tornava-se de uma alegria delicada e frágil, como uma bolha de sabão que tilintava ao estourar. Sem perceber, a sucessão de notas foi me preenchendo e acabei abandonando a minha reflexão tola do início.
Rapidamente, observei quem eram as outras pessoas que assistiam ao moço do piano. Três ou quatro casais e uma família com criança pequena. Tive a sensação de que ninguém sentia a mágica da música em si. Talvez estivessem admirando a agilidade das mãos ou a capacidade do rapaz de tocar sem partitura.
O som da música do piano disputava lugar com os barulhos ao nosso redor, quase perdendo a batalha para as inúmeras conversas, choros de criança, risadas e anúncios de alto-falante. Eu queria esquecer todo aquele burburinho e me concentrar apenas na música e, por isso, fechei os olhos, numa tentativa de não fazer parte do mundo-lá-fora.
Imaginei as notas passando por mim, dando a volta na minha cabeça e seguindo adiante, semeando melancolia e profundidade por aí. Quis viajar com elas e levar magia em cantos áridos e para pessoas secas.
A música acabou e os aplausos esparsos me trouxeram de volta para a realidade e, aos poucos, saí dos meus devaneios.. O moço sorriu a ninguém em particular, grato por saber que ainda há quem reconheça o valor do piano, da música e da melancolia. 
Quando ele emendou sua apresentação em uma música mais popular, senti que o auge e a poesia do momento tinham passado e fui embora. Mas, quando fecho os olhos, até agora, vejo as notas dançando na minha frente e sinto que o mundo está mais bonito e mais poético, nem que seja pelos poucos minutos de duração daquela música. 

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