Sobre o papel, a caneta e outros amigos


Foto by Beata Ryden

Ok, assumo, não sou boa fazedora de amizades. Nunca fui. A minha introspecção permitiu ampliar inúmeros mundos de fantasia e seres imaginários mas, em contrapartida, me fechou das coisas aqui de fora e fiquei à margem das relações. Passava tempo demais construindo meus próprios castelos e estórias, enquanto as pessoas e suas vidas continuavam girando, sem mim. Eu caía na real e doía, mas a dor me fazia voltar para o meu universo de mentira, mais seguro e confortável.

Assim caminhei, neste ciclo de eu-não-devia-ser-assim: assim séria, assim fechada, assim sozinha. Mas assim as coisas foram, e tive pouca (ou quase nenhuma) coragem de mudá-las. Acredite, várias vezes tentei ser uma pessoa mais expansiva, mas as experiências foram, em sua maioria, frustrantes, e adivinhe? meu mundo de imaginação continuava me esperando, sem sustos.

Vez ou outra, apareceu neste meu caminho cíclico alguém que conseguisse enxergar o que havia além e embaixo de uma fachada carrancuda. Pessoas destemidas, estas, que tiveram paciência com minhas idas-e-vindas do mundo real ao mundo imaginário. Algumas - as melhores - resolveram embarcar comigo nas minhas fantasias, já que eu passava a maior parte do tempo por lá. Não invadiram nem desarrumaram minhas coisas, o que me fez confiar nelas. E da confiança veio a abertura, e uma ponte (ainda pequena) para o que há lá fora.

A solidão é, ao mesmo tempo, uma cura e uma perdição. Já experimentei os dois lados da moeda e, em ambos, há beleza e poesia a ser extraída. Mas hoje, não quero mais o lado doloroso dela - já o experimentei demais, obrigada. A solidão me esgotou de conteúdos, referências e influências, e me vi vazia  feito uma concha oca. Doeu além do que o meu vocabulário é capaz de alcançar para explicar. E ficou uma marca, danada, que não sai mais daqui.

Dos meus universos inventados, me fiz escritora. A necessidade de materializá-los em palavras veio naturalmente, quando eu ainda era criança. O Papel e a Caneta sempre foram meus melhores amigos - e são, até hoje. Não saio de casa sem eles. Até que senti necessidade de que alguém testemunhasse o que eu escrevia e compartilhasse comigo das minhas invenções: assim surgiu minha vontade de ter amigos, da escrita.

Demorei anos (mais ou menos, dez) até permitir que alguém me lesse. Somente pessoas próximas, do convívio diário, nada além. Algum tempo depois, ampliei um pouco mais a minha introspecção e, hoje, estou aqui - conhecidos e desconhecidos lendo estas palavras, e isto ainda me assusta um pouco. 

Porém, desta vez, é um susto bom. Bem melhor do que o susto de uma solidão sem fim. Desse susto não morro nem me machuco, então continuo por aqui. A ponte entre minhas coisas inventadas e o lado-de-fora está mais firme, hoje em dia, mas não adianta insistir: continuo perambulando pelos meus universos de fantasia com mais frequência do que caminho pelo "mundo de verdade", e será sempre assim. Sou assim, e aprendi a (me) gostar. A diferença é que, agora, tenho pessoas que me dão as mãos e caminham comigo.

Obrigada, amigos, por fazerem parte da minha loucura e por me ajudarem a regar minhas flores de mentira.

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