Dia cem por cento

perfect storm - Clara Nebeling

Recentemente, minha amiga Deborah e eu fizemos um vídeo com o Desafio da Primeira Frase (para vê-lo, clique aqui.) e, neste desafio, o prêmio foi o livro "O Capitão Saiu para o Almoço e os Marinheiros Tomaram Conta do Navio", de Charles Bukowski.

No livro, uma frase chamou a atenção da Deborah, ganhadora do desafio e do livro, e também a minha posteriormente, que é:

"Música horrível no rádio, mas não se pode esperar um dia 100 por cento. Se conseguir 51, você ganhou. Hoje foi um 97."

Esta frase gerou entre nós a reflexão: como seria um dia 100 por cento?

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A cada dia que passa, tenho mais e mais consciência de que a perfeição não existe. Nem em mim, nem nas outras pessoas, nem no mundo, nem na vida: em lugar nenhum. Em algum momento, a perfeição foi inventada (quem foi o culpado?) e ela nos assombra, todos os dias, nos dizendo que tudo deveria ser diferente, melhor, maior. 

Nunca viverei um dia cem por cento, pois eles não existem. Mesmo que tudo ao meu redor tenha uma cadência e uma fluídez únicas, ainda assim existirá eu, eu com meus pensamentos e expectativas, colocando tudo a perder. Olhando no detalhe e na minúcia o que poderia ser diferente. Direi, então, que meu dia foi noventa por cento, que foi oitenta e cinco - mas nunca cem. A não ser que eu isole a mim mesma. Aí, pode ser.

Portanto, a premissa principal para meu dia cem por cento seria a de eu não estar presente. Eu precisaria suspender-me um pouquinho, deixar de lado a minha essência e seu blá-blá-blá incessante. Mas, uma vez que eu esteja de fora, posso tentar imaginar como seria este dia.

Antes de mais nada, não se trata de onde estou, do que faço ou de quem está comigo - a base do meu dia cem por cento seria a sensação que ele me proporcionaria. Seria aquele dia que preenche cada cantinho do meu coração perturbado com sossego e tranquilidade, como se ali fosse o melhor lugar do mundo para se estar naquele momento. Seria aquele dia que eu me sentiria livre e dona de mim - livre para conhecer tudo e todos, livre para ser o que eu quisesse, livre para escrever e falar e pensar e agir da forma que eu quisesse. 

Vários cenários poderiam me transmitir esta sensação: tem dias que vejo folhas caindo de uma árvore e isso, só isso, já me enche de uma alegria-velha tão gostosa. Tem dias que o sol bate em um ângulo todo torto e mítico pela janela do quarto e me sinto fazendo parte de algo maior que eu. Quando a lua está mais cheia do que o normal sinto o mesmo. Coisas pequenas, sutis - não preciso de muito. 

Meu dia cem por cento teria um enorme e aconchegante silêncio. Dentro e fora de mim. Um pouco de barulho de chuva, talvez, aqui e ali. 

Mas o maior obstáculo do dia cem por cento continua sendo eu mesma.

Assim que eu desamarrasse tudo o que me prende ao chão, eu voaria feliz no meu pequeno balão, olhando a paisagem lá embaixo, em um desapego sem sofrimento.

Acho que estou precisando disso: de uma viagem de balão.
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2 Comments

  1. Oi, Ruh!
    Puxa, adorei a proposta! Nunca li nada do Bukowski, embora tenha uma vontade imensa. Já li alguns poemas avulsos, mas nunca um livro inteiro. Acho os títulos dos livro dele muito criativos, mas ao mesmo tempo bem simples e alguns me deixam com muita vontade de ler (especialmente os de poemas, como é o caso de Amor é tudo aquilo que dissemos que não era).

    Mas falando do seu texto: adorei, pois parece uma crônica. Acho que, realmente, a gente nunca vive cem por cento - nem mesmo se computarmos uma vida inteira. Às vezes, a felicidade tá num segundo, que pode mudar todo o nosso dia e aquele dia nublado, chato e sem significância se torno um dos mais belos só por causa daquele segundo! Acho isso tão bonito!
    Com certeza, fiquei muito animada para escrever essa proposta! Vou escrever, sim, mas é provável que eu só publique bem depois, pois estou com muitos posts atrasados D:
    Muito obrigada por lembrar de mim, querida! Tô achando essa nossa parceria - mesmo que não oficial - muito boa!

    Love, Nina.
    http://ninaeuma.blogspot.com/

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  2. O velho Buk sempre nos faz pensar

    Realmente ter um dia 100% é impossível, nós nunca estamos satisfeitos com o que temos e sempre pensamos que aquilo poderia ser melhor.
    Mas, parafraseando Stephen Chbosky, a gente aceita a felicidade que acha que merece. E uma forma de não aceitar ser feliz é nos cobrar uma felicidade impossível.

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