Um mundo todo pela frente


Disseram para ela, menina curiosa, que as estrelas ficavam muito longe, lá no céu, e não era possível que alguém as tocasse ou se aproximasse. Ela não acreditou e, em silêncio, voltou para a cama, sem desistir da idéia de que seria muito bom chegar perto do céu.

Depois, mais tarde, disseram que o mundo era grande demais para seus pés tão pequenos e que ela não poderia conhecê-lo por inteiro, e riram quando ela passou pela sala carregando uma mala de viagem três vezes maior que ela, e vazia. Ela não acreditou e, em silêncio, levou a mala para seu quarto, sem desistir da idéia de que seria muito bom passear pelo mundo todo.

Então, disseram para ela que a felicidade seria encontrada em coisas que existem por aí: dinheiro, uma boa profissão, casamento, ter filhos. Mais uma vez, ela não acreditou e, em silêncio, saiu pelo jardim, sem desistir da idéia de que seria mais feliz à sua própria maneira.

(Esta é uma qualidade que mais pessoas deveriam ter: a de não acreditar quando alguém diz que não é possível, ou que não é assim que as coisas são, ou que existem fórmulas prontas de felicidade. Desacreditar é bom, e mais ainda é a curiosidade de ampliar a sua própria estória.)

A menina, ainda quieta, decidiu que queria nadar mil quilômetros para descobrir o que havia depois do mar. Muito disseram "Não há o que ver, menina tola!", mas o que estas pessoas sabem das coisas, se nunca saíram do lugar? Aí ela se deixou levar pelas ondas e pela maré, dia após dia, sem prestar atenção no frio ou na profundidade das águas. Nadou e nadou e nadou, até que avistou terra logo à frente. Ali estava o resto do mundo que ninguém, além dela, havia conhecido.

Com o coração acelerado, firmou os pés na terra e olhou adiante: e agora, o que há além deste ponto que estou? Já havia chegado tão longe que não fazia sentido parar. Respirou fundo e foi caminhando em frente, com as roupas ainda molhadas, decidida a encontrar o que mais houvesse para ser encontrado. De areia, o solo virou terra, e de terra, pedregulhos. Depois deles, folhas úmidas e, então, uma enorme floresta de pinheiros. Tão antiga e tão solene que o silêncio ecoava por cada centímetro do ar, fazendo pressão nos ouvidos: era um silêncio denso, pesado e velho.

E, enquanto admirava a altura dos pinheiros, viu que havia uma montanha no horizonte. E mesmo antes de decidir-se em palavras, decidira-se em sensação, e já estava caminhando novamente em direção àquelas montanhas. O trajeto foi ficando cada vez mais íngreme e complicado, o ar mais escasso e frio. 

No meio do caminho, as pernas finalmente fraquejaram, assim como seu ânimo, diante da imensidão rochosa que ainda lhe esperava. Deitou em uma reentrância da montanha e, ao olhar para o céu, admirou-se em perceber que já era noite e haviam centenas de estrelas a lhe observar lá de cima.

Então era isso: depois das montanhas, viriam as estrelas. Lá do alto da montanha mais alta, ela poderia, enfim, esticar-se inteira para chegar perto de uma delas, uma que fosse, e poder completar seus sonhos de criança. Esta idéia deu-lhe vida nova, e ela retomou seu percurso, sempre para cima, sempre para frente.

Dias depois, finalmente alcançou o ponto mais alto. Ao olhar para baixo e para o horizonte, avistou lá na frente, há muitos e muitos quilômetros de distância, o mar por onde tinha chegado. Não havia nem sinal da vida que deixara antes dele, aquela rotina sem graça e sem sonhos de quem acredita já ter todas as respostas. Olhando a floresta, os enormes pinheiros pareceram pequenos pontos, desfocados e escuros.

Com calma, olhou para o céu e todas as estrelas a receberam de braços abertos e pequenos sorrisos, piscando felizes e dançantes naquele fundo azul escuro. Fizeram movimentos no céu, giraram e rodopiaram. Naquele dia, até a Lua estava enorme e transbordante, tão cheia que parecia que ia explodir, tão próxima que parecia que iria nos engolir, mas tudo isso era felicidade: porque havia uma menina que acreditara na possibilidade de se aproximar delas, elas, que estavam tão sozinhas, já que todos pensavam ser impossível tocá-las. 

As estrelas, então, tornaram-se amigas da menina, e todas elas (estrelas e menina) nunca mais sentiram-se isoladas e sozinhas.

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