2º Não-post de Ano Novo



Certo dia, uma grande amiga me disse: "Ora, se você não pode lutar contra seus monstros, então chame-os para tomar um café." Sou pessoa dada a oferecer conselhos, mas ganho-os pouco - este conselho, no entanto, fez tanto sentido que ficou gravado na minha memória, sempre ecoando no fundo dos meus pensamentos.

Pois o que fiz ao longo dos dias que passaram (não nos 365, mas naqueles que consegui) foi ficar amiga dos meus dragões. Demorei a perceber que eles não iriam embora tão cedo, talvez nunca!, então a saída foi me aliar aos inimigos, escutar o que eles tinham a dizer, bater um papo, dialogar.

Não sou boa em diplomacia, então vários dias fui queimada pelo meus dragões. Algumas vezes, o fogo passou só de raspão, sem causar muitos danos. Na maior parte das vezes, ele causou queimaduras, bolhas e dói quando me recordo. Sobrevivi, mesmo assim, para contar esta pequena história: como domei meus dragões.

Creio que a maior das minhas ilusões há muito foi quebrada, junto com meu coração e com a minha confiança nas pessoas (ou, pelo menos, na maior parte delas). Fiquei arisca, eu sei, e logo criou-se um belo terreno para todos os monstros do reino virem fazer seus ninhos. Dia a dia, lutei contra eles, na inocência de esperar que, ao ganhar esta guerra, eu ganharia minha cura também.

Não ganhei nem uma, nem outra. Mas me sinto inteira e completa como nunca havia me sentido antes. Mesmo queimada, mesmo ainda bastante arisca, mesmo tentando reconstruir a vida. E o principal motivo é porque, agora, meus dragões comem biscoitos e assistem televisão comigo. Convivemos harmoniosamente, sem excedermos nossos limites e sem invadirmos nossos terrenos - eles lá, eu cá.

Eles já não são tão assustadores como eram antes. Alguns, sequer temo. Outros, fazem parte de mim, são pedaços do que me tornei - escolhi eles, quero-os comigo, porque eles me servem de alguma coisa: me defendem, me questionam, me fazem as perguntas que devo responder. Estes, ah estes!, viraram animais de estimação, queridos e fofos.

Os outros, estão ali na coleira. Não sou mais dominada por eles como antes, e treino todos os dias para ser uma senhora forte e cruel quando for necessário - mas somente com eles, claro. Com o resto do mundo, eu quero paz.

Sossego e acolhimento.
Não é pedir muito, em tempos de guerra.

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