Rascunhos


- Acho que não quero mais isso.
Sentei, então, na primeira cadeira vaga e esperei.
Me deram uma folha de papel em branco e uma caneta. Me ofereceram a oportunidade de reescrever minha história e a mim mesma. Aceitei, afinal, não queria mais nada daquilo.

"Fui uma menina inteira sob um teto quente. Dormi em uma cabaninha destas feitas de lençol, e luzinhas piscavam piscavam piscavam. Era acordada pela luz do sol e o mundo brilhava puro."
Risquei cada palavra. Aquilo tudo era uma fantasia tão bonita que eu havia criado dentro de mim e eu simplesmente não conseguia aceitar que pudesse ser real. Prefiro deixar como um sonho.

Comecei de novo: "Tive um amor que durou a vida toda. Sorri, senti paz, fui feliz. As promessas foram cumpridas, minhas e suas, e colorimos o mundo como planejamos."
Mas então percebi que isso me deixaria fraca, infantil e despreparada. 
Porque, por mais que eu possa, neste papel, escrever o que eu quiser, já sei o suficiente para ter uma noção de que a vida não é o parque de diversões que eu esperava que fosse quando era criança.
Risquei, novamente, cada palavra.

Recomecei no verso da folha. Então, coloquei no papel cada alegria e cada tragédia. Descrevi as minhas melhores lembranças, e também as piores, com todos os detalhes que consegui reunir. Tentei organizar cronologicamente, mas no meio do caminho meu texto se tornou fragmentado e desorientado. Não me importei. Em alguns pedaços doeu, mas no pedaço seguinte curava.

Concluí que, no final das contas, seria assim sempre. Altos e baixos. Frases escritas com letra bonita, outras escritas com péssima caligrafia. Também concluí que não mudaria nada do que tenho como fantasmas - são os meus fantasmas. Não quero ser amiga deles, mas também cansei de ser inimiga.
Durante um tempo, fiquei introspectiva olhando o papel.

- Desistiu de tentar se reescrever, querida? - Aquele tom debochado no "querida". Fingi que não percebi. Devolvendo o papel, murmurei:

- Acho que não quero mais isso.

"I still see things that are not here. I just choose not to acknowledge them. Like a diet of the mind, I just choose not to indulge certain appetites; like my appetite for patterns; perhaps my appetite to imagine and to dream. I've gotten used to ignoring them and I think, as a result, they've kind of given up on me. 

I think that's what it's like with all our dreams and our nightmares, Martin, we've got to keep feeding them for them to stay alive. They are my past. Everyone is haunted by their past."


~ John Nash (Russel Crowe) - Uma Mente Brilhante


2 Comments

  1. São de floreios e garranchos que a vida é feita. E ambos os teus são lindos, tenho certeza.

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  2. háh! Comentário anterior escrito nesse post (anterior é no prox texto. li em ordem inversa)

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