Do buraco, o encontro



Se antes era pura dor e o mais genuíno desespero, eu decidi lutar: não quero ser vencida por mim mesma. Fui carregando este fardo preto e pesado por tempo demais dentro do meu coração. Senti o pesar e o arrependimento, dei atenção a pensamentos escuros, me afundei em pessimismo e em minha dor sem fim. Mas agora, chega.

Fiz do buraco, um espaço. Espaço onde posso me alargar, me completar, me remendar, e ser diferente. Continua havendo um vazio no meu peito, e não vou admitir - não de hoje em diante, pelo menos - que seja doído. Vou permitir que o espaço se torne preenchido com sentimentos mais bonitos, mais coloridos e, principalmente, mais leves.

Porque chegou o dia que eu simplesmente percebi que a questão principal não é ser salva (nem por mim mesma, muito menos por alguém). Trata-se tão somente de viver. Entendo de onde vem minha tamanha dificuldade em ser feliz, mas até de me compreender já estou cansada. Nunca adiantou de nada, de qualquer forma: nunca me impediu de sofrer o que eu deveria ter sofrido.

Sou minha pior inimiga, desde os tempos em que eu ainda era uma criança com alguns poucos sonhos e pés tortinhos. No fundo, continuo sendo a mesma: atrapalhada, confusa, melancólica, e às vezes feliz. E quando sou feliz, ah!, é a maior felicidade do mundo: quando uma pessoa triste consegue sorrir, vale mais do que o sorriso dos outros, pode acreditar. Eu sei quanto esforço e quanto trabalho há por trás de cada momento alegre que consigo construir. Não vem fácil: não para pessoas como eu.

Não para pessoas como você.

Às vezes, vendo as pessoas na rua, penso que gostaria de ter uma história, uma essência, uma vida mais normal. Sonhando acordada, penso que gostaria de ter tido família, casa cheia, barulho, cachorro, amigos, movimento e companhia. Luz acesa na sala, televisão ligada na novela, reclamação adolescente banal de querer fechar a porta do quarto, esperar o pai buscar na porta do shopping. E sempre que vejo uma janela aberta de um apartamento qualquer, sinto a saudade de nunca ter tido um lar, sinto a nostalgia infalível de não ter tido aconchego de uma família. São pequenos momentos assim cotidianos que, juntos, formam uma certa noção de ordem e estabilidade.

Mas não.
A vida me deu caos, solidão, tristeza, abandonos e fragmentação. E, no meio disso tudo, tenho que lutar diariamente pela minha felicidade e pela minha integridade. Tenho que continuar sendo inteira, mesmo quando estou pela metade. Tenho que continuar - ponto final. 

E no meio de toda essa loucura, minha e sua, eu me encontro. E me passo a limpo, em uma folha de caderno nova e branquinha, com as linhas esperando as versões novas de mim mesma que irei registrar. Não me iludo pensando que esta tristeza profunda irá embora para sempre: isso é um pedaço meu, importante e estrutural. Mas hoje, sei que posso ter outros pedaços, formando um quebra-cabeça mais bonito e mais em paz.

Fiz do buraco, uma canção. Destas que cantamos e dançamos à noite, antes de dormir, depois de um dia bom.

I walked through the darkness, through the void, where everything was sucked from me - everything that makes me what I am. But even in the emptiness of pure nothing, no longer knowing why I was walking or what I was seeking, I walked onward. And, after a time, myself returned to me, and I left that place."
A dream of a Thousand Cats - Sandman #3: Dream Country - Neil Gaiman

1 Comments

  1. If your family sucks, you can create a new one.
    Gaga disse isso e eu nunca mais esqueci. A sua família está onde você põe seu coração. Família não é composto por títulos: pai, mãe, irmãos. Casa nem sempre é sinônimo de lar. Essas coisas vamos aprendendo com o tempo, e estou certa que você já está ciente.
    Não sei qual seu julgamento perante a minha pessoa, mas se quiseres uma nova família com gostinho de família tradicional com seus respectivos rótulos, eis aqui uma irmãzinha para você.

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