2/6 - Mary Elizabeth




*Trilha sonora do post: Dash and Blast - Yndi Halda*

Era um daqueles dias entediados e vazios, e o sol que fazia do lado de fora parecia antes uma agressão do que um convite. Aquela menção de uma alegria lhe era desnecessária e dolorida, porque não havia nada dentro dela que conseguisse acompanhar. Ela resolveu que sairia ao sol, não para homenageá-lo (muito menos aproveitá-lo) mas porque sentia uma amargura e um buraco além do que era capaz de suportar.

Conforme caminhava em direção à praça, não se apercebia das lágrimas que caíam desordenadamente, das pessoas que olhavam assustadas, dos faróis que deveria se atentar ou mesmo do que se passava do outro lado da rua. Automaticamente caminhava, sem saber de onde partia, nem onde chegaria. Por fora, estava apática e sem vida - cabelo opaco, pele maltratada.

Por dentro, a mente rodopiava em pensamentos zangados: ela listava todos os abandonos.
Todos os momentos de solidão. Todas as crises de angústia.
Todos os nãos. Todos os silêncios. As recusas, as ausências. Tudo aquilo que doía.
E dali a listar cada defeito, erro, cada mal diagramação do que era - era um passo.
Tão somente um passo, e estava na beira do mais total desespero. O desespero de não querer ser quem se é, e não ter outra alternativa a não ser se suportar, com o mais brutal dos ódios. E de saber que em breve todos descobrirão que não há amor capaz de superar tanto lixo - o abandono é certo.

Deparou-se consigo mesma sentada no banco da praça. Estava murcha, cheia de nós impossíveis de desatar. Saboreando cada pedacinho da solidão completa, a solidão que seria sua sina final - e quase conseguindo aceitá-la com uma certa dose de felicidade meio trágica. Havia uma certa beleza na tragédia, de qualquer forma. Poderia conviver com isso, depois de tudo.

Ao seu lado, sentou-se uma garota. Quase uma mulher, em um estágio intermediário entre a maturidade e a falta de juízo. Era bonita de se olhar, e isso doeu mais ainda dentro dela. Desviou o olhar rapidamente, querendo fugir - não dali, mas de si mesma. Sempre quisera fugir de si mesma. A garota-quase-mulher se aproximou, e ela não gostou. A garota abaixou, pegou uma pedra que estava no chão, possivelmente caída de um jardim próximo ao banco, e ficou alisando-a com dedos longos de esmalte bonito e vivo.

Dançava a pedra em suas mãos, e cantarolava baixinho uma música qualquer. Ela não lhe deu muita atenção, e retornou ao buraco e à escuridão.

Olhava os próprios pés quando a pedra lhe atingiu a nuca. Demorou um segundo para compreender que o calor que sentia pelo pescoço era o seu próprio sangue. Devagar, sem barulho nenhum, caiu aos pés da garota, ainda em tempo de registrar:

- Ela é mais bonita e jovem que eu, fez bem em me matar.

E não derramou nenhuma lágrima por isso.

"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro." - Clarice

Os outros posts da série:
1/6: Virgínia

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